sábado, 13 de junho de 2009

UM POUCO MAIS DE COOPERIFA E AS PONTES QUE ME FORMARAM



WATER LILIES (1899), DE MONET


O Drummond tem uma frase, que considero fantástica, diz assim: “A quem sabe mergulhar numa página o trampolim se oferta”. E parafraseando ele, diria que quem curte: poesia de primeira e multiforme reflexão, a Cooperifa se oferta.

Conheci a Cooperifa, através de uma matéria, na extinta e excelente revista: “Entre Livros”, contudo, agora não me recordo mais em qual edição.
Lembro-me como se fosse hoje, a primeira vez que pisei o pé, no bar do Zé Batidão (onde ocorre a Cooperifa), foi num sábado à tarde. Logo de início, fui recepcionado por um homem, que se mostrou bastante receptivo para comigo (e continua assim até hoje – com todos), e só mais tarde fui saber, que era o Sérgio Vaz (idealizador do Sarau).

O Zé Batidão é um caso a parte. Novamente Drummond: “Todo ser humano é um estranho ímpar.” E em se falando em ímpar, o Zé, com certeza o é – sem sombra de variação. Sem palavras, tentar descrever sua simpatia e personalidade. No longo desses anos, que tenho freqüentado a Cooperifa, nunca me recebeu, sem seu costumeiro sorriso estampado no rosto, que irradia todo aquele bar, nas noites de quarta-feira mágicas e diuturnas (pois vivem dentro de cada um de nós, para sempre). E para aqueles que discordam, não se esqueçam da Adélia Prado: “O que a memória amou se torna eterno”.

Creio que meu cordão umbilical com a Cooperifa nasceu muito antes dela existir. Graças a minha mãe, pois quando eu ainda estava em seu ventre, ela já lia para mim o Monteiro Lobato, e até hoje faz troça: “Você foi à única criança a conhecer o Sítio do Pica-Pau Amarelo, sem antes mesmo vê-lo na televisão.” E pensar que ela só estudou até a quarta série...
Contudo, sempre se recusou a ver barreiras no que ia fazer, e esse lado seu, me acompanha até hoje.

Outrora, ainda me lembro, do nosso sofá, que não passava de uns andaimes rústicos de madeira pregados, que se assemelhavam em muito aos bancos de igrejas. Mas, mesmo assim insistia em me dar livros infantis... Certa feita, já cansado de ler sempre as mesmas histórias, e ela percebendo isso, pediu dinheiro emprestado ao vizinho, e comprou num sebo, pra mim: “As Mil e Uma Noites”, hoje sou eternamente grato a ela, pois desde cedo incutiu em mim o prazer pela leitura. E uma criança quando lê, um livro dessa magnitude, é impossível, não ser picada pelo hábito da leitura. Esse mesmo “veneno” perdura até hoje em minhas veias. Graças a minha mãe por isso.

Tanto o Bar do Zé Batidão como a casa onde moro (no Jardim Ângela, que foi considerado até pouco tempo atrás, pela Unesco, um dos bairros mais violentos do mundo), ficam na zona sul de São Paulo, e muitas pessoas torcem o nariz para isso. Pois já tem em suas cabeças, antes mesmo de conhecer, um preconceito estabelecido e enraizado em vossas almas. Lembro-me de Cristo, quando disseram a seu respeito: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs? E escandalizavam-se nele.” Em outras palavras, ele não é o Jesus de Nazaré, e de lá será que pode sair alguma coisa boa? Como se local, cor, condição social ou religião, fossem fatores peremptórios para determinar quem somos ou quem seremos um dia...

Confesso, que senti isso num belo dia, numa aula de Sociologia no Mackenzie, quando a professora, no primeiro dia de aula, para conhecer a sala, fez aquela rodada básica de perguntas, onde todos deveriam dizer: nome, idade, o que faziam e onde moravam. Quando chegou minha vez, senti em seu olhar gélido, o desprezo e desdém, quando disse que morava no Jardim Ângela, aliás, não só dela, mas de outros alunos. Minha resposta, veio a galope, pois no mesmo dia, quando peguei a lista dos livros sugeridos, li o triplo do proposto inicialmente no decorrer da matéria. Aprofundei-me nos grandes: Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda...

Em sala de aula, debatia ferozmente com ela sobre tudo. Nada passava em branco...
Até que num dia, a corrigi em sala de aula, sobre um detalhe do livro monumental e épico do Gilberto Freyre: “Casa-Grande e Senzala”, que ela tinha dado errado, e como de praxe nos orgulhosos, ela saiu pela tangente, sem dar o braço a torcer.

Minhas notas foram 10 em todos os trabalhos, apresentações e provas. Desafio que impus a mim mesmo, como minha resposta para ela.

No dia da vista de prova (final de semestre), mandei para ela um bilhete, através de uma amiga minha: “Como já sei que tirei 10 em tudo, não virei fazer a vista de prova. Obrigado pelo seu olhar do primeiro dia de aula, me ajudou muito, e me ajudará para sempre, em tudo que vier a fazer – doravante”.

Confesso, que agora quando digitei essa última palavra, uma idéia me assaltou. Pois tinha prometido a mim mesmo, nunca escrever algo aqui nesse blog, em tom confessional ou biográfico. Rompi, isso já uma vez, quando fiz um texto, chamado: “Minha Mãe Meu Exemplo”, que consta nas postagens mais antigas aqui; embora o considere, não para minha mãe ou para mim mesmo, para vocês leitores; pois lhe sobram entrelinhas. E graças a Deus, tenho uma memória notável, e me lembrei de uma frase que liquida essa questão toda:

“PIOR QUE NÃO TER IDÉIA, E NÃO MUDAR DE IDÉIA NUNCA”. – Barão de Itararé.


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1 comentários:

  1. Prefiro a frase de Karl Marx "De que adiantam as idéias sem homens para executá-las".

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