quinta-feira, 28 de abril de 2016

CRÔNICAS AVULSAS: MESTRE GRAÇA




É da Cecília Meireles e não do Graciliano Ramos, mas isso não faz muita diferença, vamos à frase: “Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.” Foi exatamente assim que abri a minha palestra no Museu de Socorro-SP em 05.03.2016 intitulada: “Vidas e Letras Secas de Graciliano Ramos e sua relevância para hoje”. Foi um dia mágico onde pude dividir com os meus conterrâneos o pão sagrado: literatura! E literatura da mais alta qualidade, ou seja, a prosa de Graciliano Ramos. E em especial abordamos o livro: “Vidas Secas” que juntamente com “Memórias do Cárcere e São Bernardo” formam a tríade perfeita desse escritor alagoano em minha opinião.

O romance brasileiro, com ele, foi além daquilo a que tinha chegado. A amargura de Graciliano tem um patético que não há na melancolia de Machado de Assis, ou na rebeldia de Lima Barreto. No sertanejo, a vida se condensa no claro-escuro mais pungente de nossas letras.

A temática de seus livros é quase sempre rude ou dolorosa: a seca, as situações sociais de opressão do homem pelo homem, a prisão ou a angústia. Uma parte de sua obra pode ser classificada como autobiográfica – exemplos: "Infância e Memórias do Cárcere"; outra parte é inspirada em fatos ou situações reais de que ele foi testemunha viva e ativa.

Em Graciliano nunca se encontrará um livro que se desenrole num palco iluminado por sorrisos e festas, mas em toda sua obra é possível achar infinidades de alegrias, momentos de prazer de seus personagens, dentro dos limites rígidos da situação de fome, desespero ou opressão em que vivem. É nisso que consiste a beleza – se é que se pode falar em beleza – da obra de Graciliano.

Na literatura, é belo (e triste) o exemplo que Graciliano Ramos nos dá com Fabiano, personagem principal de “Vidas Secas”. A pobreza do seu vocabulário prejudica a tomada de consciência da exploração a que é submetido, e a intuição que tem de sua situação não é suficiente para ajudá-lo a reagir de outro modo. Outro exemplo é o que o escritor inglês George Orwell apresenta no seu livro 1984, onde, num mundo do futuro dominado pelo poder totalitário, uma das tentativas de esmagamento da oposição crítica consistia na simplificação do vocabulário realizada pela “Novilíngua”. Toda gama de sinônimos era reduzida cada vez mais, logo: pobreza no falar, pobreza no pensar, impotência no agir.

Ora, se a palavra, que distingue o homem de todos os seres vivos, se encontra enfraquecida na sua possibilidade de expressão, é o próprio homem que se desumaniza. 

A língua de que ele se serve é um instrumento de fabulosa precisão. Não há nela um desgaste de peça, um parafuso frouxo. Tudo anda num ritmo perfeito. É um mestre da língua para muitos. Para mim, ele é mestre de ofício mais difícil que o de manobrar bem as palavras. É um mestre como fora Stendhal, de palavras precisas, mas de paixões indomáveis.

A grandeza do Mestre Graça está nisto, em que sendo um homem de poucas palavras é, na solidão de sua obra, um escritor de vida eterna e que nos marcará para sempre!


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